"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Figuras de construção

O texto nem sempre é organizado conforme as normas de sintaxe. Há, com frequência, desvios sintáticos e concordâncias irregulares que imprimem características peculiares à construção linguística. Assim, a ordem natural das palavras na frase é alterada, promovendo uma sintaxe incomum. Esses recursos usados por falantes e escritores, a fim de acrescentar mais vigor e expressividade à linguagem, chamam-se figuras de sintaxe ou de construção.

1. Anacoluto
O anacoluto, conhecido também como frase quebrada, consiste numa quebra abrupta de construção no meio do enunciado. Diante disso, surge na frase um termo que não apresenta ligação lógica com as palavras seguintes:
As crianças, quando será que tudo se normalizará?
É verdade! Eu parece-me que agora estamos aptos a entrar naquela concorrência.

2. Anástrofe
A anástrofe consiste na inversão da ordem natural dos termos da frase, isto é, o adjetivo antecede o substantivo, o verbo precede o sujeito, o objeto antecede o verbo etc.
Exemplos:
Aquela bebida tinha um terrível gosto. (= gosto terrível)
Andaram os peregrinos por searas inóspitas. (= os peregrinos andaram)
Aos inimigos darei todo o desprezo. (= darei aos inimigos)

3. Assíndeto
Assíndeto é a ausência de conjunções coordenativas entre palavras de uma frase ou entre orações de um período. Exemplos:
Sônia é uma adolescente determinada, inteligente, bonita, agradável.
Ele se aproximou lentamente, sorriu, não disse nada.

4. Elipse
Elipse é a omissão de termos que podem ser facilmente subentendidos através do contexto. Ocorre a elipse de várias partes do discurso:
a) do verbo:
A guerra é muito triste. Dor, amargura, violência demais.
(A guerra é muito triste. Traz dor, amargura, violência demais.)

Fiquei realmente surpreso. Poucas pessoas na passeata de protesto.
(Fiquei realmente surpreso. Havia poucas pessoas na passeata de protesto.)

b) da conjunção integrante (que):
É preciso se faça algo para ajudá-lo. 
(É preciso que se faça algo para ajudá-lo.)

Diante de tanta urgência, pedi fossem enviados os documentos por um mensageiro.
(Diante de tanta urgência, pedi que fossem enviados os documentos por um mensageiro.)

c) da preposição:
Mariana surgiu deslumbrante: um vestido de seda azul, cabelos soltos.
Mariana surgiu deslumbrante: com um vestido de seda azul, cabelos soltos.

Preciso que você me ajude na cozinha.
Preciso de que você me ajude na cozinha.

d) do pronome pessoal reto (1ª e 2ª pessoas):
Viajarei para a África no próximo verão.
(Eu viajarei para a África no próximo verão.)

Viajaremos para a África no próximo verão.
(Nós viajaremos para a África no próximo verão.)

Foste reconhecido pelo teu ato de bravura.
(Tu foste reconhecido pelo teu ato de bravura.)

Fostes reconhecidos pelos vossos atos de bravura.
(Vós fostes reconhecidos pelos vossos atos de bravura.)

5. Hipérbato
Hipérbato é o termo genérico que designa toda e qualquer inversão da ordem natural das palavras na frase ou das orações no período. Exemplos:
O impasse diplomático recrudesceu dos países árabes com Israel.
(O impasse diplomático dos países árabes com Israel recrudesceu.)

O vento assobiava forte lá fora, mas o barulho da tempestade não se ouvia muito, mesmo assim era uma noite assustadora, pois as janelas de dupla vedação encobriam os ruídos indesejáveis.
(O vento assobiava forte lá fora, mas o barulho da tempestade não se ouvia muito, pois as janelas de dupla vedação encobriam os ruídos indesejáveis, mesmo assim era uma noite assustadora.)

NOTA
A anástrofe é um tipo de hipérbato, porém com inversões específicas na ordem natural dos termos da frase.

6. Pleonasmo
Pleonasmo é a repetição de termos com o objetivo de conferir mais vigor ou ênfase à linguagem:
Jupira nunca saiu fora dos limites da aldeia.
À pobre criatura ninguém lhe socorreu.

O pleonasmo é comum em frases feitas e ditos populares:
Vi com estes olhos que a terra há de comer.
Ouvi com meus próprios ouvidos.
Você precisa encarar o problema de frente.

7. Polissíndeto
Polissíndeto é a repetição reiterada de conjunções coordenativas aditivas, a fim de dar expressividade e sensação de movimento à expressão. Exemplos:
Tudo o que ele busca é sucesso, e fama, e dinheiro, e poder, e glória.
Tudo o que ele busca é ser feliz, pois não está atrás de sucesso, nem fama, nem dinheiro, nem poder, nem glória.

8. Silepse
Silepse é a concordância que se faz com o sentido da palavra, deixando-se de lado as regras gramaticais. A silepse poder ser de:
a) gênero:
Vossa Alteza foi justo.
Vossa Excelência parece cansado.

Observe que justo e cansado concordam com o gênero da pessoa (príncipe e homem de alta hierarquia social) e não com os pronomes de tratamento.

b) número:
Um grupo de malfeitores atacou o pobre homem e o surraram até à morte.
O corpo de baile do Teatro Municipal do Rio se apresentou em São Carlos. Dançaram como nunca.

Observe que grupo de malfeitores e corpo de baile, por serem substantivos coletivos, exigem o verbo na 3ª pessoa do singular. No entanto, o verbo da segunda oração de cada período, surrar e dançar, está no plural, concordando com a ideia de quantidade expressa pelos coletivos.

c) pessoa:
Os cidadãos brasileiros somos ordeiros e trabalhadores.
Todos saímos imediatamente quando soou o alarme de incêndio.

Os verbos ser e sair deveriam concordar com os respectivos sujeitos (Os cidadãos brasileiros e Todos), mas o autor se inclui entre os cidadãos e entre todos, indo o verbo para a 1ª pessoa do plural.

9. Zeugma
Zeugma é a omissão de um termo anteriormente usado no contexto linguístico. Trata-se de uma das formas da elipse. Exemplos:
Fábio vive para o estudo, o trabalho e o esporte; Rogério, para a indolência, o vôlei de praia e o oportunismo.
Nos negócios dele eu nunca interfiro; nos meus não quero palpite.


Observe que houve omissão de vive e negócios (Rogério vive para a indolência... / Nos meus negócios não quero palpite).




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