"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

quarta-feira, 27 de maio de 2009

O ENSINO NÃO É MAIS O MESMO!

Aqueles que se tornam professores devem se prevenir quanto a algumas desilusões, se têm em mente a imagem clássica do “professor correto”, já ultrapassada, mas que sobrevive em seu imaginário.
Gostar dos jovens é bom, mas nem todos são fáceis de amar, se isso significa serem obedientes, educados, limpos, corretamente vestidos, disciplinados, respeitadores dos adultos. A escola recebe de agora em diante todas as crianças e as respeita como elas são. Ensinar é trabalhar com um amplo leque de sensibilidades, de culturas, de relações com o mundo.
Gostar muito de trabalhar com jovens é bom, mas é inútil acreditar que se pode ensinar fugindo sempre do contato com os adultos. Os pais esperam interlocutores confiáveis. O educador deve também dialogar com outros profissionais, colegas, trabalhadores sociais, psicólogos, psiquiatras.
Gostar de ser o “grande professor solitário” é bom, mas hoje é preciso cooperar, trabalhar em equipe, participar do projeto da escola. Não se pode mais fechar em um face-a-face com os alunos: é preciso sair das quatro paredes da sala, engajar-se em inovações, atividades sindicais e grupos de trabalho.
Gostar dos saberes e ter vontade de partilhá-los é bom, mas isso não basta quando se é confrontado com alunos que não vêem por si mesmos o sentido da escola, ou não estão dispostos em aceitar o trabalho necessário para aprender. Querer satisfazer ao apetite de saber dos jovens é somente um aspecto da profissão; é preciso também, e primeiramente, encarregar-se daqueles cuja vontade de aprender é fraca e frágil.
Gostar de transmitir conhecimento é bom, mas essa formula é somente um atalho para dizer “construir” conhecimentos. Então devem-se criar situações de aprendizagem muito mais do que “dar aulas”.
Gostar de tomar a palavra diante dos alunos é bom, mas em doses homeopáticas. Ensinar é, sobretudo, pôr-se em trabalho, propondo e regulando tarefas portadoras de aprendizagem. É assumir o trabalho de diretor, muito mais que o de ator, é comover-se nos bastidores, fazendo um trabalho muitas vezes invisível.
Gostar de se dirigir à classe toda é bom, mas esse procedimento tem virtudes pedagógicas limitadas: os alunos são diferentes e o mestre tem o dever de propor atividades variadas, adaptadas às necessidades e ao nível de cada um.
Gostar de se organizar ao seu modo é bom, mas para a profissão de educador consiste cada vez menos em estar presente na escola quando os alunos nela estão também. Tempos de projetos em grupo, encontro com os pais, e formação contínua fazem parte do trabalho.
Gostar de agir com bom senso é bom, intuição e humanidade é bom, mas ensinar atualmente exige, mais que tudo, habilidades específicas, saberes e competência que não derivam do senso comum, mas de uma formação didática e pedagógica árdua.
Gostar da vida tranqüila é bom, mas a vida dos educadores não é mais tranqüila, se ela já o foi algum dia. Cada reforma de estrutura, cada novo programa modifica rotinas, nada é definitivamente adquirido, sem falar nas mudanças das tecnologias e dos modos de vida das famílias.
Gostar de boas férias é bom, mas ensinar não consiste em ir para a sala de aula de mãos abanando. Cada atividade exige uma boa preparação. Ensinar é, assim, uma profissão fatigante, física e emocionalmente, na qual o estresse nos ameaça.
Gostar de estar do lado do conhecimento e da virtude é bom, mas ensinar é também manejar a sedução, a repressão, a recompensa e a sanção; é avaliar, fazer justiça, deter segredos. Logo é viver dilemas éticos.
Gostar de ser o portador da verdade é bom, mas hoje em dia a mídia e a internet disputam com a escola o monopólio dos saberes. Não se pode, então, ensinar vivendo fora do mundo, ignorando a atualidade política, científica, tecnológica.
Gostar muito de instruir é bom, mas é preciso aceitar a resistência de alguns alunos, sua “alergia” ao saber, o fracasso de toda uma estratégia, característico do que Freud chamava de “profissão impossível”, no sentido de que a ação pedagógica jamais estará certa de atingir seus fins.
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Philippe Perrenoud

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